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Caso Stênio Garcia: a pressão estética atinge todas as idades

A imposição de um padrão de beleza está ligada à gerontofobia?

O QUE ACONTECEU COM STÊNIO GARCIA?

No dia 13 de junho, o ator Stênio Garcia, de 91 anos, revelou ao vivo, no programa Fofocalizando do SBT, o resultado da harmonização facial pela qual passou no dia 1 de junho.

A revelação do resultado viralizou na Internet e gerou uma enxurrada de críticas dos internautas nas redes sociais, tanto à profissional que realizou o procedimento, Dra. Camila Avallone Bosso, como ao próprio ator.

Garcia, que explicou que realizou a harmonização facial para que consiga novos papéis em novelas televisivas, foi demitido da TV Globo em 2021 após 47 anos na emissora, mesmo com uma carreira de mais de 70 anos e uma coleção de personagens que conquistaram o público brasileiro, como Bino em “Carga Pesada”.

O QUE ISSO TEM A VER COM PADRÃO DE BELEZA?

Tal atitude do ator, que relatou que não realizou o procedimento com o objetivo de rejuvenescer, mas sim para voltar a trabalhar, pode exemplificar e reforçar um conceito já conhecido em nossa sociedade: o do padrão de beleza. Ele nada mais é que um conjunto de características físicas consideradas ideais e que se tornam um modelo do que deve ser seguido.

Esse padrão, que por si só já desconsidera a pluralidade dos corpos existentes, também tem por consequência a introdução de uma pressão social estética que exige que os indivíduos vão em busca de diferentes métodos para atingir a fisionomia e biotipo corporal esperados, causando inúmeros tipos de distorção da autoimagem.

Segundo Ana Cristina Lass Stankievic, psicóloga com 27 anos de experiência, quando há essa distorção, começam as buscas pelos tratamentos estéticos, especialmente por quem trabalha utilizando-se de sua imagem. “A imensa valorização sobre a aparência está nos valores construídos socialmente e são compartilhados, afetando globalmente a maneira como aprendemos a lidar com nosso corpo, principalmente para aquelas pessoas que utilizam a imagem na promoção profissional, como os artistas, modelos, apresentadores de TV e promotoras de eventos, entre outros”, completa.

O QUE UMA ATRIZ PENSA SOBRE O CASO

A respeito desse assunto a atriz e professora Verônica Rodrigues entende. Bacharel em Artes Cênicas, ela afirma que essa pressão também existe fortemente no meio da atuação, como na escolha de um personagem para uma pessoa com mais idade, por exemplo. “Quando eu dou uma pesquisada para ver quem são os rostos novos surgindo, é um bando de gente nova contando história e os 50+ são coadjuvantes. É a avó que aparece aqui fazendo a ponta, é a mãe de não sei quem…”, declara.

Através de sua experiência também como preparadora de elenco, roteirista e diretora, ela também diz que, no caso de Stênio, ele é a grande vítima. “Zoaram com ele, virou até meme, tadinho. Como é que você vai julgar uma pessoa que está sofrendo a pressão de um sistema, sendo uma vítima. Ela não tem que ser atacada, quem tem que ter atacado é esse sistema que pede para que o Stênio Garcia não tenha rugas e tenha o lábio volumoso para que ele tenha direito a um personagem.”, ressalta.

Apesar disso, ela diz que acredita num futuro promissor pois há um grande movimento para que corpos reais ocupem os seus espaços. “Todavia, eu acredito que a gente está numa fase muito positiva apesar de toda essa pressão horrível que a internet multiplicou de uma certa forma, pois a gente tem todo um movimento pelo corpo real, pela pluralidade, pela diversidade.”, “desde que a gente siga em luta e questionando esses espaços”, finaliza.

COMO A SOCIEDADE ENXERGA OS IDOSOS

Ana Cristina Lass, que também possui experiência em avaliação psicológica, explica que, especialmente no caso dos idosos, a pressão estética não carrega somente a obrigação de se sentir inserido dentro de um padrão de beleza, mas também em como a sociedade entende sobre o que significa chegar a uma idade mais avançada.

“À medida que crescemos e envelhecemos inevitavelmente nosso corpo vai se transformando, e a tendência da sociedade é padronizar e homogeneizar a velhice, reduzindo-a a uma fase da vida caracterizada por declínios e perdas, pejorativamente, como sem mais produtividade, o enfraquecimento do corpo humano, privação dos melhores prazeres, e a proximidade da morte, gerando uma forma de preconceito e discriminação, colocando o idoso à margem da sociedade”.

QUANDO ISSO COMEÇOU E O QUE PODE GERAR

Esse tipo de pensamento começou a ser popularizado quando a beleza e o envelhecimento começaram a ficar em lados opostos. Em meados de 1960, quando as publicidades em jornais e revistas começaram a anunciar que qualquer um poderia rejuvenescer e fugir de “ficar velho”, através de produtos que antes eram apenas desenvolvidos pensando no público jovem, os idosos e os sinais de sua idade começaram a ser sinônimos de algo a se evitar.

Tal conceito que persiste até os dias atuais e que apenas se adaptou à compreensão de beleza dessa geração, pode levar a sociedade atual e futura a desenvolver cada vez mais a síndrome da gerontofobia. Ela é caracterizada pelo medo ou repulsa do envelhecimento ou dos já envelhecidos, que desencadeiam sentimentos e pensamentos depressivos por não haver uma perspectiva positiva sobre o futuro.

A psicóloga Ana Cristina finaliza dizendo sobre como a criação da geriatria ajudou a mudar o conceito de envelhecer. “A partir de meados do século XIX a geriatria começa a existir, substituindo a medicina estereotipada de higiene por uma terapêutica, que proporcionou maior longevidade e qualidade de vida, proporcionando autonomia, bem-estar psicológico e estratégias de enfrentamento à velhice, principalmente tendo um novo conceito sobre o envelhecer e proporcionar mais respeitos e políticas públicas ao idoso”.

Apesar disso, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE, divulgada em julho de 2022, mesmo quando pessoas de 60 anos ou mais passaram a representar 14,7% da população total do Brasil em 2021, crescendo 39,8% desde 2012, no mesmo país, entre os anos de 2016 e 2018, o número de procedimentos estéticos realizados em pessoas de mais de 60 anos saltou de 5,4% para 6,6%.

O crescimento do número de idosos e também do número de cirurgias plásticas — invasivas ou não — realizadas por eles indicam que a pressão estética dentro da sociedade e presente em todas as idades valoriza cada vez mais as características da juventude e tenta mascarar os traços do tempo. Afinal, o ser humano sempre busca alternativas para caber dentro da caixinha que lhe é dada.

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