Como acordar dois anos mais novo: seja sul-coreano

Decisão do atual presidente sul-coreano revoga sistema de contagem de idade coreana

Na última quarta-feira de junho (28), os quase 52 milhões de nativos sul-coreanos acordaram dois anos mais novos — pelo menos na idade. Isso ocorreu pois a maneira inusitada como a idade era contada no país foi abolida pelo parlamento do atual governo, cujo presidente é Yoon Suk-yeol, do Partido do Poder Popular da Coréia do Sul.

COMO ERA A CONTAGEM ETÁRIA NO PAÍS?

Até a aprovação de uma nova lei por parte do parlamento coreano em 8 de dezembro de 2022, a Coréia do Sul possuía três sistemas para contabilizar a idade de seus cidadãos.

  • A idade coreana, onde os bebês já nascem com um ano de idade e em todo dia 1 de janeiro, mais um ano é adicionado à contagem; ou seja, uma pessoa que nasceu em 31 de dezembro, em menos de 24 horas já terá dois anos;
  • A idade lunar, em que o bebê nasce com zero ano e a cada Ano Novo é adicionado mais um ano à idade; utilizando-se do mesmo exemplo, a pessoa já teria um ano de idade em menos de 24 horas;
  • A idade internacional, assim como é no Brasil, onde a idade é calculada a partir da data de nascimento.

Com o estabelecimento dessa nova legislação, a partir do dia 28 de junho de 2023, somente a idade internacional será utilizada para fins oficiais e administrativos no país.

POR QUE O MODELO FOI MUDADO PELO ATUAL GOVERNO?

A proposta fazia parte da campanha eleitoral do atual presidente, que não foi o primeiro a defender a unificação da idade em relação ao restante dos países do mundo. Em 2019 e 2021, dois legisladores apresentaram projetos parecidos, mas que não foram transformados em leis pela Assembleia Coreana.

A decisão foi tomada, segundo a assessoria de imprensa do Consulado Geral da República da Coréia no Brasil, para que os órgãos públicos e de registro ganhassem maior agilidade nos processos burocráticos. O chefe do comitê de transição do presidente eleito, Lee Yong-ho, declarou que a diferença de idade entre os métodos gerava “confusão permanente” e “custos socioeconômicos desnecessários”.

Isso pôde ser exemplificado no período da pandemia do Covid-19, quando as autoridades responsáveis pela distribuição de vacinas de acordo com a faixa etária utilizaram a idade internacional e a coreana de maneira aleatória, gerando muita confusão e repreensão da população.

Além disso, esse sistema de contagem resultou num processo judicial na Suprema Corte da Coréia devido à confusão gerada na definição de idade da aposentadoria.

POR QUE A IDADE É CONTADA DESSA MANEIRA?

Esse método teve surgimento na China e foi estabelecido em diversos países do leste asiático, como o Japão e a própria Coréia do Sul, pela relação estreita e intermitente com o país da Muralha. Atualmente, todos esses países já adotaram o modelo de idade internacional, e acredita-se que a Coréia do Sul tenha sido a última a fazer o mesmo.

Muitos estudiosos sugerem que o sistema de idade coreana tem origem na filosofia asiática de que a vida já se inicia no momento da concepção e, por conta disso, um ano é incorporado à idade dos sul-coreanos no momento do nascimento, arredondando o tempo de gestação.

A IMPORTÂNCIA DE DEFINIR A IDADE

Os cidadãos sul-coreanos possuem uma séria relação com a idade. Muito mais que apenas um número, eles utilizam esse dado para saber como abordar determinada pessoa e qual título ou termo honorífico deve ser utilizado em seu tratamento.

Os honoríficos passaram a existir no século XV com a filosofia milenar do pensador e filósofo chinês Confúcio, de 552 a.C. Um de seus princípios era a da hierarquia dentro das relações sociais, onde existem pessoas inferiores a outras e que devem utilizar termos honoríficos para demonstrar respeito e formalidade.

Ao contrário do Brasil, em que o termo é utilizado em casos isolados como ao se dirigir ao juiz de um tribunal como “meritíssimo”, por exemplo, esse tipo de tratamento pode ser observado facilmente nos diálogos cotidianos dos sul-coreanos. Portanto, é possível perceber que a questão da idade está enraizada nos costumes do país.

O ANIVERSÁRIO, NO DIA DO NASCIMENTO, É COMEMORADO?

Apesar da maneira inusitada de contagem da idade na Coréia do Sul, os sul-coreanos não deixam de celebrar a vida no dia do nascimento, principalmente no primeiro aniversário.

A festa é chamada de Doljanchi ou Dol, e virou tradição no país quando a taxa de mortalidade das crianças era alta e muitas delas não conseguiam completar seu primeiro ano de vida, então atingir essa idade se tornou motivo de grande comemoração dentre as famílias.

A comemoração é feita em algumas etapas. Primeiro, os pais rezam para Sanshin e Samshin, deus da montanha e deusa do parto e nascimento, respectivamente. Uma mesa é composta por alimentos típicos e carregados de significados, sendo um deles um bolinho de arroz que só pode ser compartilhado com pessoas da família; caso contrário, acreditam que isso gera azar à criança. Além disso, outros elementos escolhidos pelos pais para representar o futuro do filho são também colocados sobre a mesa, e os dois primeiros escolhidos pela criança terão destaque em sua vida.

Depois, a avó ou mãe da criança rezam para os mesmos deuses pedindo longevidade e agradecem por sua vida, súplicas que são materializadas na vestimenta da criança. Ela utiliza o tolddi, um cinto que dá duas voltas na cintura e representa a longevidade, e o Tol jumuni, uma pequena bolsa que reflete a sorte.

O vestuário completo se chama Tolot, um tipo de hanbok (roupa tradicional coreana) feito especialmente para o primeiro aniversário, cujas cores são definidas com base no gênero de cada criança.

Algumas vezes os convidados se unem para oferecer um anel de ouro à ela, que é guardado pelos pais para que possam pagar os estudos e/ou outras despesas da criança no futuro. Com o passar dos anos, alguns desses passos foram excluídos da tradição, mas o seu significado continua vivo em todas as celebrações.

NA PRÁTICA, O QUE ISSO MUDA NA VIDA DOS SUL-COREANOS?

Com o início desta lei, a idade internacional — que entrou em vigor em 1968 e já era utilizada para alguns fins — será levada em consideração em todas as leis, regulamentos, contratos e documentos oficiais.

Felizmente, a medida foi muito bem recebida no país. Em uma pesquisa de opinião realizada em setembro do ano passado com quase 7 mil cidadãos sul-coreanos, 81,6% demonstraram apoio ao alinhamento da idade internacional ao restante do mundo, e 86,2% declararam que a utilizariam também no cotidiano.

A LEI AFETA A TRADIÇÃO?

O processo de globalização, fenômeno que possibilitou que a economia, política e cultura se integrassem à nível mundial, principalmente pela evolução dos meios de transporte e da tecnologia, elevou o nível de consciência dos habitantes da Coréia do Sul, principalmente dos jovens, em relação à idade internacional e que, como consequência, fazem muitos se sentirem ridicularizados pela contagem etária coreana.

Apesar da mudança ser benéfica do ponto de vista administrativo, alguns estudiosos afirmam que, assim como diversos elementos ocidentalizados já presentes no país e no continente asiático no geral, ela pode ser o início do fim de uma tradição. Jang Yoo-seung, do Centro de Pesquisas em Estudos Orientais da Universidade Dankook, em entrevista para a BBC, fez um questionamento. “Estaríamos correndo o risco de abandonar nossa singularidade e cultura e tornar-nos mais monótonos?”.

Isso não é possível de assegurar, mas é possível imaginar que é bastante improvável que a população deixe de usar a sua idade coreana tão cedo, mesmo que extraoficialmente e especialmente entre os mais velhos.

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