O conjunto habitacional foi construído durante a Guerra da Coreia pelas mãos de chineses refugiados
EDIFÍCIOS MONSTRUOSOS
Não é à toa que o ‘Monster Building’, ou ‘Edifício Monstro’ ganhou este apelido. Composto por 5 edifícios de até 18 andares – o Montane Mansion, Oceanic Building, Yick Fat Building, Yick Cheong Building e Fok Cheong Building -, além de um centro comercial no térreo, é estimado que este complexo, localizado na ilha de Hong Kong, seja moradia de cerca de 10.000 pessoas que vivem em 2.243 apartamentos. Isso significa que, num apartamento com poucos metros quadrados, moram em média 4 pessoas.
Conhecido também como Yick Cheong Building, o edifício do complexo mais famoso de Quarry Bay, o local ficou bastante conhecido após virar atração turística e um dos cenários mais fotografados e publicados no Instagram em Hong Kong. Mas o motivo de sua criação é muito mais humilde e menos agradável que isso.
CRIANDO UM MONSTRO DO ZERO
A história deste conjunto habitacional começa em 1950, quando a construção do Monster Building ainda não era nem uma idealização. Nessa época, ocorria a Guerra da Coreia, um conflito armado entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte que tinha o objetivo de reunificar as Coreias. Nesse contexto, os Estados Unidos foram em ajuda aos sul-coreanos, enquanto a China interveio a favor do Norte, recebendo, também, ajuda política e logística da União Soviética.
Os Estados Unidos, então, boicotaram qualquer aliança comercial com a China, medida que afetou consideravelmente o comércio de Hong Kong. Mas o ‘milagre econômico’ de Hong Kong aconteceu através da união do “útil e do agradável”: os refugiados chineses, bastante pobres e sem qualquer infraestrutura no continente, iam para Hong Kong em busca de liberdade, enquanto os empresários da cidade aproveitavam a mão-de-obra barata para se reerguerem da crise econômica por meio da construção de indústrias e outros empreendimentos.
Foi nesse cenário que um dos pioneiros do setor imobiliário de Hong Kong, Watt Mo-kei, fundador da empresa Cheong K, enxergou uma oportunidade de negócio. Com o estrondoso aumento populacional, as habitações para pessoas de baixa renda começaram a ficar escassas, e foi quando a Cheong K comprou um terreno na região de Quarry Bay, na King’s Road, onde antes ficava a Refinaria de Açúcar Taikoo, para construir o conjunto habitacional mais barato da ilha.
Com o auxílio financeiro da Wah Yuen Investment, uma das maiores incorporadoras imobiliárias da época, deram início ao projeto, com o anúncio de apartamentos por HK$ 15.000, que atualmente vale cerca de HK$ 81.000 – em torno de R$ 51.000.
Mas antes da finalização da construção, tanto a Cheong K quanto a Wah Yuen Investiment declararam falência após serem atingidas pelas consequências de diversas outras crises pelas quais Hong Kong passou na década de 60. O Parker State – como antes era chamado o Monster Building, por estar ao norte do Monte Parker – teve sua construção salva pela empresa E Wah Aik San, que já havia tido parcerias com a Wah Yuen Investiment. Com a continuidade do projeto, os primeiros moradores começaram a se instalar em agosto de 1972.
QUEM HABITA EM SEU INTERIOR
O complexo em formato de M, com uma arquitetura que chama a atenção pela quantidade de residências aglomeradas a perder de vista, não representa nada mais que a maneira que encontraram de construir o maior número possível de moradias quanto as regulamentações governamentais permitissem.
Segundo a National Geographic Portugal, vários apartamentos têm apenas 30m² de área disponível. Este espaço, que pode ou não ter um banheiro interno e uma área para cozinhar e armazenar alimentos, abriga moradores que sequer conseguem colocar uma cama em seu apartamento.
DENSIDADE E DESIGUALDADE
O Monster Building, assim como diversas outras construções chinesas, são o retrato da densidade demográfica do segundo país mais populoso do mundo. Apesar da China ter encerrado o ano de 2023 com 2,08 milhões de pessoas a menos, ainda possui mais de 1 bilhão e 400 mil pessoas em seu território.
Hong Kong, por sua vez, conhecida por seus arranha-céus, sua autonomia política e uma economia desenvolvida, livre e industrializada, possui uma densidade populacional de 6.698 habitantes por km² – o que representa aproximadamente 0,9 vezes o tamanho do município do Rio de Janeiro, por exemplo, que possui cerca de 1 milhão e meio de habitantes a menos numa área com 100 km² maior.
Além do Monster Building ser um símbolo dessa característica do país, também reflete a grande desigualdade social de Hong Kong. Numa cidade onde menos de 5% da população são de bilionários e milionários – e contando – e mais de 149 mil famílias ganham menos de U$ 1.200 por mês, os gigantescos prédios residencias e comerciais de luxo que contornam o Monster Building, como o Kornville, que possui piscina, academia, sala de jogos, jardim e playground, chegam a ter aluguéis de cerca de HK$ 25.000 – ou R$ 15.900.
O MAIOR MONSTRO DO CINEMA
Por conta da popularidade do Monster Building na Internet, com seu visual que lembra as realidades distópicas de produções cinematográficas, Hollywood se interessou em utilizar o conjunto habitacional em dois grandes filmes:
- ‘Transformers 4: A Era da Extinção’, filme de ficção científica, lançado em 2014;
- ‘Ghost in the Shell’, live action de ficção científica do anime homônimo, lançado em 2017.
PROIBIDA A ENTRADA DE TURISTAS
Por conta das inúmeras visitas turísticas ao local, a partir de 2018 diversos moradores do Monster Building colocaram cartazes externos pedindo para que não entrassem no pátio do complexo por esse motivo, declarando que o Monster Building é uma propriedade privada e que adentrá-la significa um ato de invasão.
Este direito foi reivindicado mais fortemente pelos moradores do edifício Fok Cheong durante a pandemia da Covid-19, quando turistas foram proibidos de entrar no país. Instalaram grades metálicas ao redor de onde os visitantes costumavam ficar e uma placa dizendo que “atividades como fotografias, se reunir, barulho, fotos com drones, etc., não são permitidas”.