‘We Are the World’ surgiu para arrecadar fundos e doar à população faminta da Etiópia
Na madrugada de 28 de janeiro de 1985, 47 músicos norte-americanos se reuniram no A&M Studios, em Los Angeles, Estados Unidos, em prol de um propósito altruísta. Contando com nomes como Stevie Wonder, Diana Ross, Bob Dylan e Michael Jackson, esse encontro fazia parte do projeto ‘USA For Africa’, uma iniciativa que buscava arrecadar fundos para combater a fome e pobreza no continente africano, especialmente na Etiópia.
Em ‘A Noite que Mudou o Pop’, o recente documentário disponibilizado pela Netflix, os bastidores da gravação de ‘We Are the World’, música que marcou os anos 80, é revelado por meio de de imagens reais da época e de depoimentos atuais de alguns dos artistas que participaram do projeto, como Lionel Richie, Cyndi Lauper, Sheila E e Bruce Springsteen.
CRISE DE FOME NA ETIÓPIA
Entre os anos de 1983 e 1985, a Etiópia passou por uma crise de fome catastrófica na região Sul, pela revolta da Frente de Libertação Oromo, e no Norte, pela guerrilha Woyane e pela drástica falta de chuva e consequente crise de seca, sendo um problema ainda mais grave na Etiópia, que tem a agricultura como espinha dorsal da economia e é forma de sustento de cerca de 80% da população.
Todos esses acontecimentos concomitantes resultaram em mais de 8 milhões de vítimas da fome e quase 1 milhão de mortes por desnutrição. A crise humanitária foi exposta para o mundo em outubro de 1984 através de uma reportagem de Michael Buerk para a BBC News, onde imagens explícitas de homens, mulheres e crianças desnutridos e à beira da morte, numa planície deserta na região da cidade de Korem, eram mostradas. O jornalista descreveu a situação como “a coisa mais próxima ao inferno na Terra”.
ARTE INSPIRA ARTE!
Foi através da reportagem de Buerk que o cantor irlandês Bob Geldof, vocalista da banda Boomtown Rats, tomou conhecimento da situação dos etíopes e, sensibilizado, decidiu utilizar seu talento para fazer a diferença.
Com a ajuda de Midge Ure, Bono, Boy George, Paul McCartney, entre outros músicos britânicos – grupo que seria chamado de Band Aid -, compuseram o single “Do They Know It’s Christmas“, que foi lançado antes do Natal de 1984 e arrecadou milhões de libras. Posteriormente, a ideia se desdobrou no concerto Live Aid, que angariou ainda mais dinheiro para destinar ao combate à fome e foi motivo de uma nomeação de Geldof para o Prêmio Nobel da Paz e do título honorário de cavaleiro atribuído pela rainha Elizabeth II.
O projeto ‘USA For Africa’ teve como inspiração a ideia precursora do Band Aid e, com a iniciativa de Harry Belafonte, ex-ator, cantor e ativista político, e de Ken Kragen, empresário de Lionel Richie após sua saída dos Commodores, convidaram Kenny Rogers e Lionel para o projeto, e atribuíram a Richie a missão de encontrar artistas que se mobilizassem pela causa e aceitassem gravar o que viria a ser um símbolo do poder da música na sociedade.
“O poder coletivo da classe artística pode ser muito impactante. Deixamos os nossos egos de lado a serviço de pessoas menos afortunadas. Somos um só povo. Precisamos uns dos outros.” – Harry Belafonte
Em seguida, Stevie Wonder, Michael Jackson e o maestro Quincy Jones – que também produziu “Thriller”, single pertencente ao álbum homônimo que ganhou o título de mais vendido da história – também foram convidados.
CHECK YOUR EGO AT THE DOOR
O documentário, produzido por Bruce Eskowitz e pelo próprio Lionel Richie e dirigida por Bao Nguyen, mostra todos os desafios enfrentados por Lionel Richie e Michael Jackson – que, embora não tocasse qualquer instrumento, criou a melodia apenas a entoando com naturalidade – para compor a música em apenas alguns dias e reunir grandes nomes da música – que precisam de meses de antecedência para confirmação em qualquer evento – numa só noite, em prol de uma causa nobre.
Para esse feito, Kragen e Belafonte juntamente com Harriet Sternberg, Head de Serviços Criativos da Kragen & Co., viram como oportunidade reunir todos os artistas na mesma noite da cerimônia do American Music Awards que, inclusive, tinha Lionel como apresentador. O intuito da gravação virou combustível para os presentes no A&M Studios, que atravessaram a madrugada e levaram cerca de 8 horas para gravar o refrão uníssono e os solos.
Mesmo diante de suas vulnerabilidades pessoais, imprevisibilidades dos equipamentos analógicos do estúdio e diferentes personalidades, todos os 47 envolvidos na gravação de ‘We Are the World’ cantaram com sentimento e propósito, resultando numa música que alcançou os ouvidos e os corações de mais de 1 bilhão de pessoas.
“Por causa da tecnologia, a música chegaria aos ouvidos de um bilhão de pessoas. É poderosíssimo quando esse tipo de energia emana. A música é uma coisa estranha. Não dá para tocar, cheirar, comer; nada. Ela simplesmente existe. (…) É uma energia espiritual muito poderosa.” – Radialista no dia do lançamento
SENTIMENTO EM CADA PALAVRA
A música foi lançada simultaneamente para o mundo todo às 19h50 do dia 7 de março de 1985. Embora as populações de países lusófonos, hispanófonos, francófonos e/ou que tivessem qualquer outro idioma como língua materna que não fosse o inglês, não pudessem compreender plenamente o significado literal da música, elas conheciam sua finalidade e podiam entender o sentimento presente em cada verso.
Como o seu lançamento em 85, a música arrecadou mais de 80 milhões de dólares (o equivalente a 160 milhões atualmente) e alcançou o 1º lugar da Billboard, e em fevereiro de 2024 alcançou o 21º após a estreia do documentário, a menos de um ano de completar 40 anos de existência.
WE ARE THE WORLD 25 FOR HAITI
Em 2010, a música ganhou uma segunda versão através do projeto ‘We Are the World 25 for Haiti’, que possuía o mesmo objetivo filantrópico, mas dessa vez, as doações seriam destinadas à população haitiana, que teve seu país devastado e milhares de mortos em 12 de janeiro de 2010 após um terremoto de magnitude de 7,0 Mw.
A iniciativa contou com a presença de artistas como Justin Bieber, Pink, Miley Cyrus, Céline Dion e até mesmo de Michael Jackson, em sua versão digital, após quase 8 meses de sua morte.
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